São Paulo, 1º de outubro – Com o sistema multilateral em xeque e a Organização Mundial do Comércio (OMC) em meio a tensões e pressão para se reinventar, especialistas entendem que o Brasil pode exercer um papel-chave na reconstrução da governança global. O tema foi debatido no webinar “O futuro da OMC e do multilateralismo”, promovido pelo Comitê de Comércio & Investimentos Internacionais da Britcham, que reuniu Ana T. Caetano, árbitra do Arranjo Provisório de Arbitragem-Apelação (MPIA) da OMC, e Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil e conselheiro da FIESP, com moderação de Renata Sucupira, presidente do Comitê.
Para Renata, o momento atual é de redefinição das regras e dos equilíbrios no comércio internacional. A representante da Britcham avalia que a crise do multilateralismo, intensificada a partir da administração Trump, expôs a fragilidade das instituições que garantiam previsibilidade e neutralidade às trocas globais.
“O avanço de políticas protecionistas e o uso do comércio como ferramenta de disputa geopolítica criaram um ambiente de instabilidade normativa”, afirmou. Essa conjuntura, marcada por tensões crescentes e rivalidades tecnológicas entre grandes potências, vem estimulando a fragmentação do comércio em blocos regionais. Na avaliação dela, este movimento reforça a importância de países como o Brasil e o Reino Unido atuarem de forma coordenada.
Welber Barral contextualiza o fato de que a OMC foi o principal motor da globalização entre 1994 e 2008, mas que perdeu influência com o fracasso da Rodada de Doha e a crise financeira global. Segundo ele, a instituição deixou de responder às novas dinâmicas do comércio e viu seu órgão de apelação paralisar, o que enfraqueceu a aplicação das regras. “O multilateralismo vem sendo corroído pela adoção de medidas unilaterais e pela busca de acordos regionais que substituam a previsibilidade das normas multilaterais”, afirma.
Barral diz ainda que o Brasil tem condições de atuar como mediador entre economias desenvolvidas e emergentes, preservando seu histórico de defesa de um sistema baseado em regras. “Para uma potência média sem poder militar, como o Brasil, interessa muito um sistema previsível de solução de controvérsias. É nesse espaço que o país pode exercer influência real”, destaca.
A árbitra Ana T. Caetano destaca que, mesmo em crise, a OMC ainda responde por cerca de 72% do comércio global, o que comprova sua relevância prática. Ela reforça que o sistema multilateral da organização se apoia nos pilares de negociação, monitoramento e solução de controvérsias, e que o enfraquecimento do último deles ameaça a credibilidade da instituição.
“O que diferenciava a OMC era justamente o duplo grau de jurisdição nas disputas comerciais. Quando os membros deixam de se submeter às decisões, o enforcement se enfraquece e o sistema perde força”, explica.
Renata Sucupira observa que o debate sobre o futuro da OMC vai além do olhar técnico e tem influências política e estratégica, com impacto direto sobre empresas e governos. “Vivemos um cenário em que estratégias de poder substituem a lógica da cooperação. Mas, ao mesmo tempo, há espaço para reconstruir pontes e atualizar o sistema multilateral com base em transparência, sustentabilidade e inovação”, defendeu.
A presidente do Comitê de Comércio & Investimentos Internacionais ressalta que o Arranjo Provisório de Arbitragem-Apelação (MPIA), do qual Brasil e Reino Unido participam, tem cumprido um papel essencial ao manter a aplicação das normas multilaterais diante da paralisia do órgão de apelação.
Para Ana, o fortalecimento desse mecanismo e a retomada das negociações sobre a reforma da OMC, tema central da 14ª Conferência Ministerial, marcada para 2026, serão decisivos para restaurar a confiança no sistema. “A crise da OMC é também geopolítica. A reforma exigirá que os países aceitem novas regras sem comprometer suas soberanias. É um grande desafio, mas também um momento histórico de reinvenção”, afirmou.
Renata sinaliza ainda que o Brasil e o Reino Unido demonstram convergência em temas-chave, como a defesa da previsibilidade nas trocas internacionais, o incentivo à inovação tecnológica e o fortalecimento das cadeias produtivas globais. Para ela, adaptar políticas comerciais a esse novo ambiente, reforçando a cooperação bilateral e o sistema multilateral, será essencial para construir um futuro mais equilibrado e próspero para o comércio internacional.
O evento faz parte do calendário oficial da Britcham, e todos os encontros promovidos pela instituição estão disponíveis aqui.
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Com 13 comitês temáticos que abrangem os principais setores da economia, como comércio exterior, agronegócios, finanças, tecnologia e sustentabilidade, a Câmara Britânica de Comércio e Indústria no Brasil facilita discussões setoriais, advocacy e a troca de conhecimento entre associados, executivos e autoridades. Além disso, a Britcham oferece uma agenda diversificada de eventos exclusivos, desde oportunidades de networking até debates sobre tendências globais, fortalecendo conexões qualificadas entre os dois mercados. Destaque ainda para o Clube de Negócios Britânicos no Brasil (GBBC) e o Grupo de Suporte aos Negócios, plataformas essenciais para impulsionar parcerias e investimentos bilaterais.
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