São Paulo, 05 de novembro – A pejotização deixou de ser um movimento isolado e se tornou parte central do mercado de trabalho brasileiro, mas o país ainda não construiu um conjunto de regras capaz de lidar com essa nova realidade. Essa foi a avaliação feita pelos palestrantes José Daniel Gatti Vergna, sócio do Mattos Filho, e Miklos Grof, CEO da Company Hero, durante o webinar “Modelos Alternativos de Contratação: Pejotização e Tendências”, promovido pela Câmara Britânica nesta quarta-feira (5).
Para os especialistas, o Brasil vive hoje um choque estrutural entre o modo como as pessoas trabalham e o modo como a legislação ainda tenta enquadrar essas relações. Vergna afirmou que a lei opera com bases criadas para uma economia que já não existe. Segundo ele, conceitos como subordinação, habitualidade e pessoalidade, que formam o tripé histórico do vínculo empregatício, foram construídos para um cenário industrial do século passado e não conseguem dar respostas claras às formas de trabalho atuais.
“A realidade corre mais rápido que a lei. Quando o Congresso não atualiza o marco legal, o Judiciário tenta resolver o novo com ferramentas antigas”, afirmou. Vergna acredita que essa defasagem cria insegurança jurídica constante e abre espaço para interpretações divergentes entre empresas, trabalhadores e tribunais.
Além de reforçar essa tese, Grof destacou que a pejotização não é um fenômeno passageiro. O executivo defende que o trabalho contemporâneo é guiado por lógica digital, dinâmica e global, muito diferente do regime tradicional pensado para jornadas com presenças fixas e relações hierárquicas rígidas. “Estamos tentando usar palavras velhas para explicar um mundo novo”, disse. Na visão dele, profissionais hoje buscam autonomia, flexibilidade geográfica, múltiplas fontes de renda e participação nos resultados, o que faz com que muitos optem por atuar como pessoa jurídica.
Por outro lado, empresas precisam competir com mercados internacionais e necessitam ter estruturas de contratação mais adaptáveis. Para Grof, esse cenário transforma a pejotização em parte permanente do ecossistema de trabalho, e não em uma solução temporária.
Tanto o representante da Company Hero quanto o do escritório Mattos Filho ressaltaram que a ausência de um marco atualizado cria um tipo de “zona cinzenta” que coloca empresas e profissionais em risco. Vergna explicou que o uso crescente de PJs influenciou diretamente processos de fusões e aquisições no Brasil. Ele relatou que, na avaliação jurídica dessas operações, um dos principais pontos de atenção passou a ser o risco de ações trabalhistas que podem surgir anos depois, se houver interpretação de que o modelo de contratação não refletia a realidade. Isso afeta valores de compra, prazos, negociações e a própria viabilidade de transações.
Grof acrescentou que, enquanto a lei não se adapta, surgem iniciativas privadas tentando preencher as lacunas deixadas pelo poder público. Empresas de tecnologia e plataformas especializadas passaram a oferecer pacotes de benefícios, serviços financeiros e apoio administrativo para profissionais PJ, o que cria práticas novas sem previsão direta na legislação. Isso amplia a incerteza sobre o que é permitido, quais são os limites e como essas relações devem ser classificadas.
Os especialistas também apontaram que o tema chegou ao seu ponto mais sensível: o Supremo Tribunal Federal. O STF analisa casos que podem abrir novos caminhos ou delimitar com mais precisão o que é permitido em modelos de contratação alternativos, principalmente quando há dúvida sobre autonomia ou subordinação.
Entre os temas em análise estão o enquadramento de trabalhadores de aplicativos e a validade de relações de trabalho estruturadas por meio de pessoas jurídicas. Para Vergna e Grof, o STF poderá reduzir parte da insegurança, mas não substitui uma revisão profunda da legislação. “O Judiciário pode orientar, mas não pode criar o marco regulatório de que o país precisa. Isso continua nas mãos do Legislativo”, avaliou Vergna.
O debate também apontou que o Brasil não é o único país a enfrentar esse dilema. Grof destacou que tendências globais apontam para modelos híbridos, em que trabalhadores alternam atividades formais e autônomas ao longo da carreira. Ele citou que, em economias avançadas, o avanço de plataformas digitais, do trabalho remoto e de novas profissões acelerou essa transição.
O ponto, segundo ele, é que países que avançaram mais rapidamente criaram sistemas de proteção social portáteis, que acompanham o trabalhador independentemente do vínculo formal. Na avaliação do palestrante, essa é uma das direções possíveis para o Brasil, caso queira conciliar liberdade profissional com segurança jurídica.
O evento faz parte do calendário oficial da Britcham, e todos os encontros promovidos pela instituição estão disponíveis aqui.
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